sábado, 11 de outubro de 2008

Obesidade à americana



Se cortarmos a carne, comerão o quê? Pão, batata frita, massas, refrigerantes e doces

NUNCA VI TANTA GENTE obesa, como na semana passada, no interior dos Estados Unidos. Lá, a epidemia é visível: a maior parte dos transeuntes está acima do peso; não são poucos os que mal conseguem andar por causa da gordura.

Que erros foram cometidos para que essa tragédia social acontecesse justamente no país que mais investe em saúde?

Alimentos a preços acessíveis e o conforto da vida moderna são causas usualmente citadas para explicar por que o Homo sapiens, até ontem caçador-coletor que vivia com fome, sucumbiu às tentações da mesa e ao prazer de passar o dia sentado. Esses argumentos, no entanto, não explicam por que nos Estados Unidos o excesso de peso da população assumiu proporções assustadoras.

É provável que a raiz do problema esteja ligada a um conceito estabelecido nos anos 1950, segundo o qual o consumir carne vermelha elevaria os níveis sangüíneos de colesterol, o que, por sua vez, aumentaria o risco de morte por doença coronariana.

Em 1909, A. Ignatowski alimentou ratos com quantidades excessivas de carne, ovos e leite. Ao sacrificar os animais, encontrou alterações nas artérias, que lembravam as placas de aterosclerose depositadas nas coronárias humanas. Em seguida, foi demonstrado que tais placas continham seis vezes mais colesterol livre do que as paredes das artérias normais.

Em 1913, o russo N. Anitschkow produziu lesões semelhantes em coelhos, alimentando-os com gema de ovo durante dois meses.

Placas de desse tipo jamais foram obtidas em animais carnívoros, detalhe largamente ignorado.
Até 1920, os ataques cardíacos eram responsáveis por menos de 10% das mortes entre os americanos. Perto de 1950, inesperadamente, o número foi para mais de 30%.

Numa conferência realizada em Roma, o americano Ancel Keis perguntou à platéia se a epidemia de doenças cardiovasculares, que se disseminava entre homens de meia-idade, poderia ser explicada por modificações em hábitos alimentares. Um professor da Universidade de Nápoles respondeu que não encontrava tal tipo de morte em sua terra.

Keis viajou a Nápoles, e constatou que ataques cardíacos em pessoas com menos de 60 anos, de fato, eram raros. As únicas exceções ocorriam entre a minoria mais rica que comia carne todos os dias, em contraste com os demais que o faziam uma vez por semana, no máximo. Verificou, ainda, que a média dos níveis de colesterol dos napolitanos era mais baixa do que a dos americanos. A partir desses dados empíricos, concluiu existir uma associação direta entre o consumo de carne gordurosa, os níveis de colesterol e os ataques cardíacos -como o até então obscuro Anitschkow havia proposto.

No leste da Finlândia, em que a população apresentava níveis médios de colesterol da ordem de 260, o número de ataques cardíacos fatais entre 1.000 homens observados durante 10 anos, foi de 70. No Japão, esse número caía para menos de 5.

Keis atribuiu essa diferença ao baixo consumo de gordura na dieta japonesa: 2,5% do total de calorias ingeridas, contra 20% no caso finlandês. Essas idéias provocaram uma avalanche de estudos sobre o papel da gordura na dieta, os níveis de colesterol e a formação de placas nas coronárias. Keis foi capa da "Time", e ficou conhecido como "Senhor Colesterol".

Nenhuma atenção foi dada ao fato de que, na França, o consumo de gordura saturada era três vezes maior do que no Azerbaijão, embora o número de ataques cardíacos fosse mais baixo. Ninguém estranhou o fato de que, apesar de consumirem a mesma quantidade de gordura que os finlandeses, os suíços apresentavam quatro vezes menos infarto do miocárdio.

Em 1984, os National Institutes of Health, dos Estados Unidos, realizaram uma conferência para chegar a um consenso a respeito do tema.

Como resultado, foi lançado um programa para orientar os médicos a controlar os níveis de colesterol de seus pacientes, a aconselhá-los a adotar dietas pobres em carne vermelha e gordura e a substituir manteiga por margarina. A repercussão na mídia foi imediata e retumbante.
Apoiadas em conhecimentos científicos para lá de duvidosos, estavam lançadas as bases para a atual epidemia de obesidade.

Alguma coisa as pessoas precisam comer. Se cortarmos a carne, elas comerão o quê? Cenoura? Alface?

Carboidratos, foi a resposta da população: pão, batata frita, massas, biscoitos, refrigerantes, doces e chocolates. Deu no que deu.

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